terça-feira, 20 de setembro de 2011

Canção de Amor

                                                                                                                                                                                                 


Soneto I


Dentro de mim tua lembrança
Acalentada em ardor,
Tece um breve improviso,
Minueto sem aviso,

Numa doce epifania.
Teu rosto, morena, envia
Flores lindas para o céu,
Em mel, canto e travessia.

Fugiu a noite e o dia
Nasceu alvo, claro e calmo
Em requintes de pudor.

Livre de sombra e de dor,
Por detrás desse sorriso
Em alegria furta-cor!



Soneto II


Em alegria furta-cor,
De uma manhã sem mácula,
Furto a cor da alegoria
Com sorriso de criança.

Eu, que não queria, agora
Danço, morena, e te dou
Som e mar e a luz do Sol,
Para ver se em ti os guardas.

Quando tristeza tu mostras,
Escondes-te, a cada vez
Em flagrante descompasso

De uma graça que revelas.
Abro, em par, todas janelas:
Tua alma é meu compasso!


Soneto III


Tua alma é meu compasso
E eu te espero ao redor dela,
Aguardando um terno abraço
E uma graça tão singela.

Belos, os teus olhos brincam
Ao se abaixarem, tímidos,
E abrigarem, nas meninas,
Luz e tom do coração!

Mas é grande a emoção,
Ao ficares só, sem jeito,
Aninhada em meu peito:

Nesse abandono do leito,
Em meus braços eu te enlaço
Em sombra, sonho e canção!


Soneto IV


Em sombra, sonho e canção,
Arrebata-se o meu verso.
És minha paz, o meu leme,
Meu céu, luz e o universo.

Entre tuas mãos, tão risonhas,
Esconde-se o tão diverso.
Encantado em tanto amor,
Tanto, que o corpo já treme!

Murmurando por teu calor,
Ergue-se o meu estandarte
E abre-se meu vôo em flor.

Vem, morena, e faz tua parte:
Debruçado em teu mistério,
O soneto agora geme!


Soneto V


O soneto agora geme,
Adornado em redondilha,
Dito em voz ora solene,
Ora em trova andarilha.

De madrugada, em dueto,
Tocamos as nossas cordas
Em pungente melodia.
No corpo-a-corpo fremente,

Lábios em cor maravilha
E peles em contracanto!
Só peço, morena, o encanto

De pousar o olhar discreto,
Mesmo que ainda faminto
Em teu corpo, que desteme.


Soneto VI


Em teu corpo, que desteme,
Brota mais que uma coragem.
Mostra-se em mim outra fome
Que a minha alma consome.

Porque, morena, meu peito
É vulcão e sua voragem
Toma-me, e a contragosto,
Devolve-me para a margem.

Mas tu tens sereno jeito,
E a fronte iluminada:
Nossos braços nos envolvem

Em fragor e alta voltagem!
Quando adormeces, cansada,
Velo até à alvorada.


Soneto VII


Velo até à alvorada
Em penumbra e acalanto,
Com a pele em brasa quero
Aconchego, ser teu manto.

Tentando com todo esmero,
Em vão, morena, que sejas
Minha, do fim ao começo,
Ou que pelo menos finjas.

Mas não queres ser cativa,
Ou te preferes furtiva.
Se te busco não encontro,

Em Paris, Quito ou Xangai.
És pra mim bem um descanso,
Todo um caravançarai.


Soneto VIII


Todo um caravançarai
De frutos, flor e perfume
É o que bebo com fervor
De teus olhos sem queixume.

Pois eles são como sóis,
Iluminando o caminho,
A me indicar como queres
Que eu te faça um carinho.

Quando fulguras no céu,
Invejam-te outras estrelas,
Por não terem tanto amor.

E digo, perdido em bemóis,
Repousando em nosso ninho,
- Morena, retira o véu!


Soneto IX


Morena, retira o véu,
E essa sombra emoldurada
Em tua face, há tanto tempo
Guardada. Nunca mais temas

De um amor o braço forte.
Eu te traduzo em poemas:
Com sorte, sem contratempo,
Irão te indicar o Norte.

Em teus seios, meus emblemas
Vão te levar até Marte.
Eu te peço, não mais penas,

Mas deixar-se ir com arte,
Ser beijada em toda parte
Com alcaparras e mel.


Soneto X


Com alcaparras e mel,
Leito, sabor e delícias,
Suave passar do tempo
Ao nos fazermos carícias.

Dou-te, morena, essa flor,
Para que a tenhas nas mãos.
Lembra sempre do suor
De nossos mansos prelúdios.

Pois quando nos afastamos
Só te revejo no anel,
Testemunha de que amamos.

Se a fel recende a distância,
Eu te chamo, já sem ânsia,
Inda que seja a destempo.


Soneto XI


Inda que seja a destempo,
Com clamor que me devora,
Morena, não vejo a hora
De reencontrar-te no campo

Em que, desnudo, te lavro.
Sem pressa, mas sem demora,
Pois senão de espinhos sangro.
És meu livro, e eu te abro

E em palavras me deslembro.
Se em tuas letras me encantaste,
Nada importa que a idade

Deixe em nós a sua haste.
Inda é cedo, na cidade,
Para amar em nova aurora.


Soneto XII


Para amar em nova aurora,
Não mais pranto, nem tristeza,
Conto sempre com a beleza,
E com a graça que em ti mora.

Sem demora e com presteza,
Despe-te, morena, é hora!
Não há tempo para reza,
Dar-se ares de senhora.

Com perfume de jasmim
Em teu colo de princesa,
Quero toda para mim

A tua nudez com nobreza,
Em abraço que põe fim
Aos rogos da natureza.


Soneto XIII


Aos rogos da natureza,
Quando a eles não responde,
A alma afunda em si mesma
E de si mesma se esconde.

Pois, morena, corpo e alma,
Luz e sombra, céu e mar,
São só dividido prisma
De uma unidade maior.

Quando digo que te quero,
Não é coisa diferente.
Alegre ao te ver feliz,

Gosto até da madressilva
Que te deixou tão contente:
Sou do amor um aprendiz!


Soneto XIV


Sou do amor um aprendiz
E dos teus olhos escravo,
Pois que são grande nutriz
Em cujo néctar me lavo.

Tuas mãos me desatinam
Ao me isentarem da dor
Que foi sempre minha herança.
Antecipam-se, morena,

Ao que será o meu destino,
Em teus braços ser menino,
Um guerreiro e um sonhador.

Meus versos não desanimam,
E a palavra no azul dança:
Dentro de mim tua lembrança...


Francisco Settineri.

Um comentário:

KABALCANTY disse...

Es una lastima que entienda poco el idioma portugués y no pueda apreciar totalmente la hondura de tus versos, Francisco.Estoy seguro que son esplendidos. Un abrazo.

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