Blog de poesia porto-alegrense. Poemas de Francisco Settineri. Thanks ever so much!
sexta-feira, 31 de agosto de 2012
Presa
Esboçado o abraço quente, em sua rareza,
No compasso em breves termos que arquiteto
Inauguro a geometria que o soneto
Traz em si, por grande forma que se preza.
E a malícia que se mostra na inteireza
Do que agravo em selo e cor no seio inquieto
Faz em mim desvanecer-se por completo
Essa fúria com que tomo-te, surpresa.
Nas palavras, poucas, puras, senso exato
De um silêncio que as transforma em virtude
E a ventura desse encontro é o simples tato
De um cabelo a tremular beatitudes -
E eram soltos sobre a face, ao contato
De um amor pelo qual fiz mais do que pude...
Francisco Settineri.
domingo, 26 de agosto de 2012
Miragem
Do meu olhar faminto foste a presa,
Na entrega e lassidão com que te deste,
Em corpo envolto e posto sobre a mesa
Um fio de amarras brancas foi tua veste.
Mas vertes pelo ar tanta beleza
Que agora não há verso que se preste
Ao que há de belo e vário na surpresa
De ver nascer a flor no rude agreste.
Não houve nódoa, eu sei, na mansa alvura
E as quentes brisas ferem a miragem
E ofertam a teus pés toda a ventura
Da vida em que só estamos de passagem:
Eu lanço a ti a prece que emoldura,
E gravo em teu contorno a tua imagem!
sábado, 25 de agosto de 2012
E, se não?
Todo dia tem sua noite.
Alguns carros passam,
voltam para casa.
Na rua deserta, apenas o desmaio
dos gritos das crianças da escola.
Todo claro tem seu obscuro.
Não buscar soluções definitivas.
Aquelas marcas, antes não percebidas
no papel,
tornam-se insuportáveis.
Todo gesto tem seu tempo.
As valsas.
Dançadas, e as que ficaram para depois.
Braços e pernas vibraram
elásticos
no movimento das bailarinas.
Geometria cor-de-rosa e sucessões.
Toda vida tem sua morte.
Vida de mil lances
acumulados.
Pouco resta deste mundo
que foi teu corpo.
Até a memória, a esquecida,
desvanece
pouco a pouco.
quinta-feira, 23 de agosto de 2012
Soneto Estremecido
Desafio a paz e busco-te na fonte
Em que banhas, calma, os pés, tão docemente
E o clamor que está nas vestes não desmente
A centelha que me acende a noite insonte...
Pois tu foste para mim novo horizonte
A se abrir feito uma rosa à minha frente
E se o encontro de nós dois foi indecente,
Firme abraço entre essas almas foi a ponte.
O zeloso olhar na pele quer a vida,
Mas a fria lança finca a terra e ofende
E ressoa solta em versos, distraída
Nesse mar de cal fatal que ao ar resplende,
Eis que a letra é seca lágrima esquecida
E o silêncio é grande e até ao céu se estende!
terça-feira, 21 de agosto de 2012
verso passapassando (no) tempo
a cummings & camões
os di- (para)
as as
os di- (para)
as as
horas (tão grande)
como passam tão depressa as
sema-
nas os
meses (amor)
os di- (tão curta)
as as
horas (a)
como corre quem tem pressa as
sema-
nas os
meses (vida).
Francisco Settineri (1981-2012).
como passam tão depressa as
sema-
nas os
meses (amor)
os di- (tão curta)
as as
horas (a)
como corre quem tem pressa as
sema-
nas os
meses (vida).
Francisco Settineri (1981-2012).
sábado, 18 de agosto de 2012
Quasímodo
Eu busco nessas torres teu vestígio
E o tom em tua voz, que deslumbrada
Vivias na esperança de, amada,
Ser fonte de alegria em meu ofício...
E tinhas no altar do meu prestígio
Soberba fonte, etérea e venerada,
Saída desta face estropiada
Que tua foi amante, desde o início...
Perdido na penumbra o raro anseio
No embalo da saudade, essa trapaça
Que é, dentre os meus males, o mais feio
Eu levo uma lembrança que me abraça
E beijo o novo encanto que não veio
No avesso dessa noite que não passa...
Francisco Settineri.
sexta-feira, 17 de agosto de 2012
Iluminação
No canto, a voz suave a prometer-te
O que em gesto audaz a mão ensina,
Estendo às tuas mãos um ramalhete,
E o olhar, esse indiscreto, descortina
Um raio de luar em teu corpete...
Sorriso na feição de uma menina
Que a vida deu a mim como um banquete,
Segura, na intenção mais cristalina
De não deixar o leito dos sentidos
Sem aguçar a febre com que ardo
Com gestos a julgar tão distraídos...
O ventre dessa dor despoja o fardo,
Os véus, cada vez mais, se veem rompidos
E louca a lira ao léu do velho bardo!
Francisco Settineri.
domingo, 12 de agosto de 2012
Soneto das Primícias
Despede-te da vida antes sofrida
Pois que é chegada a hora da risada,
E quando a noite for, serás amada
No leito em que te mostras destemida...
Mas sempre tens em mim mansa guarida,
Serás o véu da flor que se desnuda
A pele que me vem desamparada,
Que aninho em meio aos lábios desta vida!
Porque tu me mostraste o vero pranto
E eu dei à luz a paz, como um lampejo
E ouvi na dor vivaz não mais que um canto,
Prelúdio do que foi mero desejo:
Sem pejo, eu me devoto ao teu encanto,
Travessa, entre bemóis, eu te solfejo...
Enigma
Eu te peço com respeito
Se és poeta, não respondas
Não te furtes, nem escondas
O que traz a dor no peito...
Poderá haver um jeito
Nessa estrada por que sondas,
Quando vais por entre rondas
Procurar amor perfeito?
Mas tu foges do bulício,
No silêncio com que lavras
Solidão de mil palavras
A brincar tão de repente,
Apesar de ser propício
Que te cales, simplesmente...
Francisco Settineri.
sexta-feira, 10 de agosto de 2012
Sensações
No altar da vida eu quis a minha Dama
Na pele um leve cheiro de jasmim,
Tão linda que até o mar reclama
Levá-la para bem longe de mim...
Tão triste, pois que o próprio céu difama
E o vento lança pó em seu cetim,
Mas mesmo assim de amor ela me inflama
E nos seus braços vejo azul meu fim...
E voas, louca, ao tempo que tecia
Da voz nascente o corpo e as mãos postas
No amparo que o teu gesto propicia.
No leito em que a gemer tu te recostas
Eu sinto a boca arder em agonia,
Temores ao beijar as tuas costas...
Francisco Settineri.
quinta-feira, 9 de agosto de 2012
Prenda
Seque as lágrimas da face
E retorne a mim sorrindo,
Pois bem sei o quanto é lindo
Ter alguém que bem te abrace!
Pois aguardo o desenlace
Dessa festa com que brindo
Tuas mãos a mim se abrindo
Quando o corpo se anoitece...
Entre pétalas de rosa
Nos lençóis por onde brilhas
Tu te escondes, tão airosa,
E ao final, mil maravilhas,
Ao saber que me desposa
Anjo puro em prenda e trilhas...
terça-feira, 7 de agosto de 2012
Cantiga
Canto forte, com ardor de verso nobre
Na delícia de te ver toda faceira,
Na delícia de te ver toda faceira,
Do encanto de um poema que se abre
E resolve ultrapassar qualquer fronteira...
E resolve ultrapassar qualquer fronteira...
Canto mais, até que a alma se recobre
Do temor em que se pôs a vida inteira,
Melodia que essas vozes entreabre
Orgulhosa em seu querer, tão sobranceira!
Mas se danças ao meu canto tão potente
E este vento te acompanha em assobio,
Eu prossigo em desferir muito insolente
Minhas notas no audacioso desafio
De compor feliz, na perfeição da mente
A lembrança que me vem como arrepio!
domingo, 5 de agosto de 2012
Tumultuado
Quem dera não sentir tanta ternura
E os lábios manter quietos, sem dizer-te
O quanto sem querer tu cometeste
Ao relembrar pra mim tanta ventura...
Pois vem para o meu céu toda a loucura
No manto de furor com que te vestes,
Espalhas com tuas mãos toda uma peste
Que o coração servil logo tortura!
E o náufrago à procura de um abrigo
Nas tábuas de seu mundo que perece
Já tenta se afastar deste perigo
No murmurar de vozes de uma prece:
Que o amor não seja mais do que um castigo,
E grande insensatez à terra desce!
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