O BARDO

 .

Desatei minha fantasia em anos idos,

Mas a festa dos meus olhos começou cedo.

Nada que venha do futuro causa medo,

Eu apoio a minha lira em anos vividos.

.

Trombetas da magia são o concebido,

E a dureza do meu verso rompe o rochedo,

Mas a ternura não  escapa a este aedo

E não o encontra nunca desfalecido.

.

Sou sempre o mesmo, na procela ou calmaria.

Trovões e tempestades são o meu brinquedo,

Sou como um livro aberto, não tenho segredo,

.

Porém no fundo eu teço o verso em harmonia,

A minha vida inteira foi um grande enredo,

Des que eu soltei aos ventos minha poesia!

.

Francisco Settineri.

 

VADE RETRO

 .

Foi terrível este ano vinte e vinte,

Transtorno que me transformou em caipora,

O meu belo país agora já chora,

Pois a sonhar por toda noite o seguinte.

.

A procurar na poesia o requinte,

Nessa busca febril de uma nova aurora,

A esperar liberdade a toda hora

E a sentar ao pé da escada, qual pedinte!

.

Eu espero, impertinente, a nova mora,

Esplendor que a nota aguda desafina,

Desfrutar, e novamente, fauna e flora...

.

Não encontro pr'essa dor a sua morfina,

Quero mais que isso tudo vá-se embora

Deste ano muito aziago que termina.

.

Francisco Settineri.

APRENDIZ

 .

Sou aprendiz

De poeta,
Da rosa infante,
De ser amante.

.

Francisco Settineri.

 

TEUS OLHOS

 .

 

Tuas mãos já cabem nas minhas
Tua pele é mágico encanto
Hesito na escrita das linhas

.

Francisco Settineri. 

OLHAR

  

.

Teus olhos já não cobrem
O crepúsculo por inteiro
Amei demais, amei primeiro

.

Francisco Settineri.

ESCRITA

 .

Como num rio, um barco, em que se rema,
A palavra corre suave e colorida.
O teu nome já contém um poema.

 .

Francisco Settineri. 

EPIFANIA

 .

Campo de margaridas.
Você, de vestido branco.
A tarde se rejubila.
Enamorados.

.

Francisco Settineri. 

A MANU

 .

A poesia, quando diz

ou não diz

diz que foi obrigada

É um passaporte para Pasárgada!

.

Francisco Settineri.

SÁBADO POÉTICO

.

                        À poetisa Jacira Munduruca

.

Retirada a luz brilhante deste céu,

Ficou na lembrança aquele amor maduro

E que muitas vezes pareceu obscuro,

Retiradas as lembranças e o véu.

.

Poeta que teve uma perda cruel,

Transformas o teu passado em teu futuro,

Mas muito plena de um amor puro,

Tu transpões tua saudade em puro mel.

.

É doce o abandono com que te vestes,

As palavras firmes e ternura plena

Asseguram, eu sei, a vivência amena,

.

Ao invés de apontar  a um futuro agreste.

Colocas tua lira em carícia plena,

Uma doce ternura em andar celeste!

.

Francisco Settineri.

 

LÁBIOS

.

 

A estrela da manhã
Espera-te sorrindo.
Nada se compara a teus lábios...
.
Francisco Settineri.

MUTAÇÕES

.

Com que cores te pintarei numa aquarela?

Que palavras definirão teu sorriso?

Como penetrar em tua cidadela,

Contemplar teu rosto precioso e preciso,

.

Desde o dia em que te vi, rica donzela,

Imaginei os campos do paraíso,

Mas nada no céu ou no chão se rebela,

Não há chuva, não há raios, nem granizo.

.

Teu olhar encontra o meu encabulado,

Tua voz encontra o ar em tom risonho,

Longe de ti habita o meu chão tristonho,

.

Meu coração já bate descompassado.

Encontrar-te no caminho era um sonho,

Meu amor por ti é sempre transformado.

.

Francisco Settineri.

.

 

NAVILOUCA

.

Poética e mulher interessante,

Seu texto em alegria furta-cor,

Cheio de um indefinido sabor,

porém plena de uma paz sussurrante. 

.

Não há no mundo nada semelhante,

Que inspire o poeta amador,

Que tenha sensibilidade e ardor,

Lira que nos serve de companhia.

.

Eu sei que as tuas palavras suaves

São capazes de aliviar as dores,

Doce escrita que tem em si a chave

.

De evocar em mim todos ardores.

Queria colocar na minha nave

Teu rosto, tua escrita e teus amores!

.

Francisco Settineri.

VISÃO

 .

Belo é o  momento que a traz,

Com leveza e com magia,

Numa cândida harmonia,

Leve ao ar o odor fugaz.

.

Eu não se tu verás,

Lira que te cantaria,

Um bardo na manhã fria,

Que talvez reste incapaz.

.

És serena em plena praça,

Quando ao chão a flor jazia,

Etérea e cheia de graça,

.

Não se sabe onde iria

A jovem dama que passa

Em suave epifania...

.

Francisco Settineri.

ELEITA

 .

A tua nua pele tem a leveza

De um renascer presente premeditado,

É o feito alegre de um dom imaculado,

Que manda pra bem longe toda tristeza.

.

A pele, quando eu a toco, é uma surpresa,

Faz o coração bater descompassado,

Ela vem das profundezas do legado,

Pois singela como a flor a tua pureza...

.

Tomar-te nos meus braços na paz extrema
Retirou da minha sina o desvalido.

Teu sorriso é mais contente que o poema

.

E a lira ruma imbele ao desconhecido,

Mas isso não chega a ser mais que um problema,

Eu quero o teu corpo inteiro, e permitido!

.

Francisco Settineri.

A MOÇA NA JANELA

 .

A moça bonita na janela está só,

Mas os seus lindos olhos já estão tão brilhantes,

Cuida das flores da primavera constante,

Imagina a escura mata com seus cipós.

.

Passa um rapaz galante, com seu paletó,

Mas ele parece a ela insignificante.

Está mais preocupada com o ar cintilante

E desse admirador ela não sente dó.

.

Olha pros agapantos, pras rosas floridas,

No coração ainda não nasceu o amor.

Olha pras primaveras, flores exibidas,

.

Ela só se preocupa com os tons da cor,

Porque nada lhe tolhe, nem deixa ferida,

Olha para o mundo como vestal sem dor!

.

Francisco Settineri.

 

O DESEJO AGARRADO PELOS CABELOS

 

.

Porque foste em minha cama

Conjugada no imperfeito

Cogitei se era direito

Desnudar assim a dama.

.

E se a minha carne inflama,

Já desfeito o preconceito,

Eu fiquei bem satisfeito

E não houve nenhum drama.

.

Eu pensara na magia

Murmurante de quem ama,

Receber a negativa,

.

Era isso o que eu temia,

Ocaso da enorme chama,

Mas te deste, a mim, cativa!

.

Francisco Settineri.

LEITO EM CHAMAS

 .

Cada vez que tu me olhas, morena,

Eu acho um jeito de ficar feliz,

Me julgo nada mais que um aprendiz,

Mas eu sei que não tenho alma pequena.

.

E a paz do meu amor é mais serena,

Teu olhar está longe de infeliz.

A doçura com a tua condiz

E o meu amor com o teu contracena.

.

Nos nossos momentos, livres de tédio,

As mansas mãos levam-nos para a cama,

Não há outro saber, e nem remédio

.

Para as loucas efusões de quem ama.

As nossas peles são o intermédio,

Doce amor que mais uma vez se inflama!

.

Francisco Settineri.

LÍMPIDA AURORA

 .

Reflete o grande dia, límpida hora,

Quando  nasce o sol e o escuro desmente,

Assim, devagar, as trevas vão embora.

.

Quando o medo desse escuro vai pra fora,

Canta, minha mocinha, assim de repente,

Reflete o grande dia, límpida hora.

.

Desse modo, espera que te encontre a flora,

Aquela que vem com a cor reluzente,

Assim, devagar, as trevas vão embora.

.

A menina de outrora hoje é senhora

Da lira que derrama versos, vertente,

Reflete o grande dia, límpida hora.

.

Minh'alma viaja pelo campo afora,

A tua pele é macia, divinamente,

Assim, devagar, as trevas vão embora!

.

O tesouro do teu corpo se demora,

Delicada é que te quero inteiramente,

Reflete o grande dia, límpida hora,

Assim, devagar, as trevas vão embora...

.

Francisco Settineri.

AMOR NASCENTE

 .

O amor nasceu, e se foi, foi descabido,

Uma página que parou na andança,

Como se fosse nascer uma mudança

No caminho de um bardo desvalido.

O amor que foi crescente foi temido,

Sabia que ia ficar na lembrança,

Eu já senti por ti amor e confiança,

Erotismo que não era permitido...

Eu sonhava com o teu sorriso franco,

Admirado com tua visão certeira,

Tuas palavras doces, ditas no banco,

A praça era descortinada e inteira.

Eu sonhava com o teu sorriso franco.

Oh vida! Oh dor! Oh lágrima derradeira!

.

Francisco Settineri.

VERSOS ARDENTES

 .

Tu és o emblema de eu estar no mundo,

Com tuas nuanças fêmeas de magia,

Sem se importar com o que aqui jazia,

Se era poeta, ébrio ou vagabundo.

Olhar que acompanhou por um segundo,

Tentando ver se eu tinha uma harmonia,

Ou se era feito de monotonia,

Pois se eu era um artista moribundo,

Olhava por um tempo e ela saía.

A enfrentar, corajosa, o inverno,

Também a sua chuva fina e fria...

Lembraste-me, garbosa, do materno,

Com seu olhar de pura alegoria:

Senti, por um momento, amor eterno!

.

Francisco Settineri.

TARDE EM FLOR

 .

Menina, se eu ouço um belo noturno,

Chopin é o único responsável, 

Por este momento tão adorável

De quem a linda tarde, por seu turno,

Retira o que possa ser soturno,

Com a sua doçura incomparável,

Com seu tom, muito mais do que adorável,

Ninguém fica, em nada, taciturno...

Porque esta tarde, banhada de sol,

É a parte do dia preferida

pelos pequenos pássaros que a habitam.

Suas asas e seus voos exercitam,

Antes que precisemos de um farol,

Uma tarde de bemóis revestida!

.

Francisco Settineri.

CANÇÃO PARA RENATA

 .

Vamos brincar, Renata, de esperança,

Mesmo que as coisas pareçam duras,

Ainda que essa noite seja escura,

Não vamos renunciar à nossa dança.

Nas nossas forças teremos confiança,

Mesmo que as coisas pareçam impuras,

Temos que pensar na vida futura,

Deixaremos, enfim, alguma herança!

Mas, quando a noite nos pega abraçados,

É de amor que se trata, não de fuga,

De um amor que não é desamparado.

Enxuga a lágrima, Renata, enxuga,

Meu coração bate descompassado

E o meu amor por ti desfaz a ruga.

.

Francisco Settineri. 

DOCE FLERTE

 .

Antes que termine a tarde,

Eu estarei só contigo,

Amante, comparsa e amigo.

Mas eu, sem fazer alarde,

Não serei, não, um covarde,

Enfrentarei teu perigo,

Pele macia, castigo,

Antes que termine a tarde...

Teu sorriso é o meu poema,

Tenho medo de dizer-te

Que o encanto me diverte.

Tu terás sido o meu tema,

És o mais precioso flerte,

Despida na tez suprema!

.

Francisco Settineri.

Nunquidade

 .

A sempridade da horizonterra,
Temeridade que se aferra
À nunquidade do tempo fero
E aos repentes do multifário
É ponteiro dos segundos bestiais
Esperando-nos na tumbiterra!

.

Francisco Settineri.

MENINA DAMA

 .

Menina, musa etérea, és tu que mandas

Na minha imaginação febril,

Na minha vontade de te ser gentil,

Arquitetura de palavras brandas.

 

Tu danças solitária na varanda

Com o  teu ritmo gracioso e gentil,

Não escondes teu sorriso infantil,

Tu fazes da alegria a propaganda!

 

Tu és criança, e ao mesmo tempo dama,

Com os teus gestos fáceis e graciosos

A verve do poeta até se inflama...

 

Pois as liras largam um verso ansioso,

Qu se entrelaça com a tua flama,

Estampa mor de um tempo saboroso!

.

Francisco Settineri.

CRISTAIS

 .

Brindemos, ambos, pela vez suprema,

E que nós ergamos a nossa voz

Teu nome, menina, é mais que um poema.

 

Que o nosso cio seja um teorema,

Escrito a sangue na noite feroz,

Brindemos, ambos, pela vez suprema!

 

Os corpos vão estar na vez extrema,

Até que a alvorada seja o algoz.

Teu nome, menina, é mais que um poema...

 

Teu cheiro, minha Dama, é de alfazema

E não se desfaz na noite feroz.

Brindemos, ambos, pela vez suprema.

 

Haverá, sempre, variações de tema

E não importa o que virá após,

Teu nome, menina, é mais que um poema.

 

Eu quero que a nossa pele não trema

Ao saber que um dia seremos pós,

Brindemos, ambos, pela vez suprema,

Teu nome, menina, é mais que um poema!

.

Francisco Settineri.

 

SEDUÇÃO

.

Quando primeiro ouvi a tua voz,

Num encontro de casual magia

Senti que nada para mim valia,

Um grande frio me percorreu atroz.

 

O teu olhar tornou-se meu algoz,

Senti os tremores de uma noite fria

Não sei de que jeito, com que quantia

Encheu meu peito de um furor feroz...

 

Foste de imediato por mim amada, 

Eu me senti muito desamparado,

Com meu coração descompassado,

 

Frente a tua ternura imaculada,

Pois quis me sentir homem arrojado,

Quis conquistar, fui a presa escolhida!

.

Francisco Settineri.

TEU SILÊNCIO

 .

O teu silêncio me faz cair morto,

Como as folhas das árvores de outono,

E se eu caio a dormir como sem dono,

Deitado ao léu como corpo absorto,

 

É porque o teu brilho me deixa torto

E pobre como Jó, mas sem abono.

Eu sei bem que te coloquei num trono,

Que me causou um sério desconforto.

 

O teu silêncio é o de um corpo composto,

Mas que um dia provocou alegria,

Tomada estavas na doce magia

 

E nada entre nós tinha sido imposto.

Hoje encantada com as pipas ao céu,

Não hás de calar a boca de mel!

.

Francisco Settineri.

 

NAVEGAÇÃO

 .

Escuta as notas desse mar que espuma,

Procura dentro de ti  harmonia

E busca do poeta as brancas brumas.

 

Veja no céu a leveza da pluma

E na tua mulher a tua magia,

Escuta as notas desse mar que espuma.

 

A fera do coração é uma puma

Que escreve na pele a caligrafia,

Busca, pois, do poeta as brancas brumas...

 

Não há no horizonte coisa alguma

Que se oporá a essa barbaria,

Escuta as notas desse mar que espuma.

 

Ao incerto Norte o teu barco ruma,

Decerto as tempestade será fria,

Mas busca do poeta as brancas brumas.

 

Além do mar, a verdade é nenhuma,

No coração não há monotonia,

Escuta as notas deste mar que espuma

E busca do poeta as brancas brumas!

.

Francisco Settineri.

NOTURNO

 .

A juventude está perdida,

Mas o amor não morre jamais.

Mesmo depois da tua partida,

O corvo disse - nunca mais!

 

Agora, Lenora, que és ida,

As perdas ficaram reais.

Eu queria te ver erguida,

É porque eu te amo demais...

 

Mas eu sei, foi muito, Lenora,

Eu ver-te doente, abatida,

Tu que sempre foste a Senhora,

 

Meu acalanto e prometida,

Da escura noite até à aurora:

Serás, Lenora, a bem querida.

.

Francisco Settineri.

Brincadeira

 .

A tarde cai, e o teu rosto me lembra

Das primitivas noites ao luar,

Dos teus belos cantos a me embalar.

Pois quando todo  o mal, eu sei, se arranja

E a angústia de viver assim se acalma,

E tudo volta, assim, ao seu lugar,

Mas não há nada ao céu a disfarçar,

Unida que fica a disjecta membra... 

A boca e os braços trazem risos,

Sem nunca disfarçar grande alegria,

Aqueces com teus braços noite fria,

Brincamos ao ocaso em falto siso,

Deitamos na fina tapeçaria,

Esta é a nossa versão do paraíso!

.

Francisco Settineri.

Aragem

 .

A tarde era serena.

Tua voz, tão delicada

E, além do mais, amena...

.

Francisco Settineri.

A PARCEIRA

.

Procurei por toda parte,

Vasculhei pela ribeira,

Não achei a companheira,

A segui com toda arte.

 

O verso é meu baluarte,

Levantei muita poeira,

Não a achei na cachoeira,

Talvez ela esteja em Marte.

 

Eu só a vi uma vez,

Mas deve haver um caminho

De eu te achar com a placidez,

 

De eu te achar muito mansinho,

Sem nada de timidez,

Porque a vida é um torvelinho!

.

Francisco Settineri.

BRILHOS

.

 

A noite avança e não vejo à janela

Pois hoje a Via Láctea já não brilha

As cidades formam horrendas trilhas,

Com essas luzes que não são nada belas...

 

Estrelas não precisam de tutela,

No ar sinto um cheirinho de baunilha,

Fixo o olhar na tua gargantilha,

Fizeste dos teus lábios a capela

 

 Na qual não pode faltar brilho aos olhos

E a prece das tuas mãos não é distante

Das praças que continuam escuras.

 

Tu já és a menina dos meus olhos,

Eu que passei, sim, por horas duras

E agora volto aos teus pés qual infante!

.

Francisco Settineri.