Blog de poesia porto-alegrense. Poemas de Francisco Settineri. Thanks ever so much!
segunda-feira, 31 de março de 2014
Soberana
Esta canção é por demais serena
E lida com o mais decente afeto
Pois olhas para mim com o mais reto
Ditame que te sai da alma amena.
Eu gravo ao coração essa novena
Pois correspondo ao tino mais discreto,
E curvo-me ardoroso e lanço um repto,
As artes deste amor não têm mais pena!
Sucumbo, enfim, tremendo ao teu encanto
E a escuridão se enche de luz farta
Que planta notas fortes no meu canto
Que nunca, nunca mais de ti deserta:
Não sou mais um poeta em desencanto,
Eu tenho o amor sem medo e a porta aberta!
Francisco Settineri.
Florbela
Ancas
esculpidas em mármore de Páros
Olhos
que se abrem em oblíquas amêndoas
Mãos
tão delicadas como o ar levando-as
No
doce gesto a evocar perfumes raros...
E
fico tolo a imaginar sentidos caros
Desvairadas
cartas de amor te invejo lendo-as
Rubras
maçãs do rosto desse sangue vândalas
Enquanto
o teu vigor anda em outros preparos.
De
ti eu só espero a rude indiferença
Dos
versos apaixonados que só eu li.
Ignoras
de um só golpe toda a mi'a presença:
Na
solidão que hoje eu sinto frente a ti
Mesmo
o marido só se engana quando a pensa
E
só eu sei que um deus criou-te só para si!
Francisco
Settineri.
Remanso
Raízes
nunca fui de criar fundas
Na
vida de um bardo aventureiro
Pois
vate que se preza quer loureiro
Ainda
que tenha de subir em andas...
E
perco-me no mundo nas sentidas
Distâncias
que percorro no sendeiro,
Um
louco, enfim, e sempre sem dinheiro,
Capaz
de acumular bem mais partidas!
E
as vezes em que ando enregelado
A
olhar mais um jardim de agapantos
Me
fazem só lembrar de teus encantos
De
novo eu não posso estar sentado.
Deserto
dessa sina de andejo,
Derreto-me
no teu olhar amante,
Não
quero mais saber do andar errante
Tu
és a fina Dama que eu elejo!
Francisco
Settineri.
Entrevero
O
baile ia lindo na sanfona
E os pares deslizando, apertados.
Foi
quando ali chegaram dois soldados
Que
estavam acampados na atafona.
Mas
eis que, por um tempo, abandona
A
moça sobre uns almofadados
Um
cabra qu não temia fardados
E
um militar pretende que o destrona!
Escondo
dos rufiões a voz que resta
E
evito, agachado, o tiro dado.
Fugir
é o que eu quero, mas sem fresta,
Mantenho,
na emoção, sangue gelado;
E
o povaréu na luta, entreverado,
Na
noite que de medo já se infesta!
Francisco
Settineri.
sábado, 29 de março de 2014
Caçadora
A Dama que venero, pequenina
Que quando se retira no passado
Me faz tecer poema encabulado
Porque maldiz de pronto a amarga sina!
E é doce o teu olhar que me fascina
Que deixa o coração tão deliciado
Mas traz ao corpo um tom assim calado
Que corre aos céus e aos raios me ilumina.
Mas volto ao verso e ele ergue a taça,
A moça aparece num rompante,
E a corda estirada já me enlaça,
E eu não sou mais eu de agora em diante:
Sou mísero poeta com essa jaça,
Menina se tornou amor distante...
Francisco Settineri.
Retorno
Eu passei por muita dor, nenhum lamento,
Pois desgosta-me essa gente que é queixosa
O que eu quero é encontrar-te toda prosa
Não trazendo em mim um grão de fingimento.
Sou alegre, pois não há maior portento
Do que ver-te assim contente, assim mimosa
Rebentando de emoção, pequena rosa
Que me faz, a cada vez, perder o tento!
E o poeta, num repente de ousadia
Interrompe de uma vez o andar errante
Na aventura da saudade não mais fia
Essa colcha que se enreda no distante.
Eu só vim pra te encontrar, dizer: - Bom dia!
E beijar-te para sempre num instante!
Francisco Settineri.
Cabaré
Vislumbro na fachada a luz vermelha
E varo a sala na total penumbra
Encaro a mísera mulher na sombra
E bebo o álcool que me dá na telha.
O velho atendente aconselha
A quenga que melhor as pernas abra
Que rale nos lençóis e bem de sobra
E pego a égua mor que a mão encilha...
Sozinho, sinto o frio do pensamento,
O seio de uma moça que não viste
Nudez, mas sem tremor nem sentimento
A china em desamparo não resiste.
O corpo abandonado sem lamento,
Deixado o amor sem preço a e a carne triste!
Francisco Settineri.
SOLEDADE
O banzo que hoje sinto já me inquieta
Lonjura que a distância dilacera
E faz tremer aos pés negra quimera
Metal que me atravessa em linha reta.
As tripas revirou, muito indiscreta
De tanto amor que só a dor verbera
A adaga pelo menos é sincera
E atinge o coração, divina meta!
Eu olho para o céu, ele responde
Que a dama que eu amei agora é morta
E o céu do seu olhar não mais responde
O quadro que jazia atrás da porta.
Procuro um bálsamo, mas não sei onde
Por tanta dor a estrela não se importa!
Francisco Settineri.
terça-feira, 25 de março de 2014
Um Resto
Às vezes penso que perdi de tudo,
Mas tou sereno e hoje tanto faz.
Mesmo a saudade que diz que aqui jaz
Não faz senão assim me deixar mudo.
Pois eu julguei que tudo foi, contudo
Eu não pensei no que a memória traz,
Tanta emoção que um dia me deu paz,
Navega a lira neste tom agudo.
De tantos nós urdido o fio da trama,
Por mais ter sido enfim paciente,
Não me desfaço, embora tenha calma
Da confusão que hoje cega a mente:
Neblina espessa em notório drama,
Mas resta um brio do que me fez contente!
Francisco Settineri.
Sacerdotisa
Mãos que acariciam outras mãos tão quentes
E depois se deixam levantar dispostas
Ao langor dos toques que jamais desgostas
E que saram males de corpos e mentes.
Tua ausência em ânsia deixa os véus silentes,
Presa da emoção e muda de mãos postas
Sem saber do pálio e da canção que gestas
Que de tanto espanto deixa os céus doentes!
Tantos desencontros, afinal freqüentes,
Corpos se separam, direções opostas,
Sonhos que se acabam, num virar de costas,
Faltas que me amargam, num ranger de dentes...
Tonto que fiquei de ardores tão frementes,
Sombras de um penedo em fúrias tão funestas
Jamais soube o que dá paz, do que tu gostas,
Nunca compreendi deveras o que sentes!
Francisco Settineri
Garbo
Voltado ao vão desprezo em noite clara,
Meu corpo esfacelado não tem força
Sequer pra soerguer a fina taça
Que traz dentro de si a gosma amara.
Flechado da ferida que não sara
A grande dor de ser não há quem meça
Eu penso em teu olhar e em tua trança
E a súbita memória me atravessa.
Assim, amiga, quando profetizas
Que és dona de mi'a mente por inteiro
Renasce o denso amor das próprias cinzas.
Pra Eros, vingador, tiro certeiro,
Importam muito pouco as minhas rezas:
Ereto, o andar é sempre passageiro!
Francisco Settineri.
sábado, 22 de março de 2014
Bodas
Eu só sei te amar com muita garra e fome
Pouco se me dá conhecer tua família
Tomo um avião e levo-te pra Itália
Vou até o penhasco e não há quem me dome!
Quero que se dane o malfeito infame
Que já intentou uma feroz quizília
Noites maldormidas em tensa vigília
Clamando por teu nome em tenaz reclame!
Hei de amar-te sempre como um animal
Sem que um bom Platão se intrometa ao vento
Sem a criançada e a foda semanal
E aturar a sogra que já é um tormento
Sem o vão selinho, os olhos no jornal
E outras asperezas de um casamento!
Francisco Settineri.
Hera
Eu lanço a ela o meu olhar faminto
E a moça impenitente já se cala;
Nem mesmo a face esplêndida se abala
Por mais que seja forte o amor que eu sinto!
Irrompe a lava do vulcão extinto
E o corpo já se mostra como em gala
Como se o céu pudesse me entregá-la
Às cores de uma tela em que eu a pinto.
Sucedem-se tremores nessas eras
Nas ruas e nos montes escarpados.
Renasce a lira por detrás das heras
E o pio da bela ave aos descampados
Ensina a todos mais o quanto eras
E deixa os corações atormentados!
Francisco Settineri.
Degola
Tombado o corpo inerme à própria sorte
Saudoso de outros braços enlaçados
À sombra, a paz que jaz sem mais um corte
Que deixe o olhar frio, embaralhado.
A faca brilhou cega, um tanto ríspida
No meio de certezas inconformes
E o doce toque de uma pele tépida
Brilhou naquele corpo, mãos disformes!
Ao pouso não retorna esse gaudério
A adaga em sua cinta, esquecida.
Assim, por mais que sinta, a sua vida
Acaba de findar, sem cemitério!
Francisco Settineri.
Coruja
Ao Fernando Campello
Impassível ao extremo,
A coruja já se basta.
Na rapina ela é lesta
Ao ratinho, ela é o demo!
Os seus restos regurgita,
Entre os pelos o esqueleto
Rato branco, rato preto,
É só quando ela se agita,
Pura e vã filosofia,
Demorado pensamento
Sopesado juramenro
Na pretensa calmaria...
Em noturno valimento
Em suas garras só se fia
Na penumbra ela porfia,
Seu semblante muito atento!
Francisco Settineri.
sexta-feira, 21 de março de 2014
Eu mando estes versos com as flores
Eu
mando estes versos com as flores
Que
muito andei no campo a encontrá-las
Contente,
tu as recebe e assim calas
E
as pétalas já espalham seus odores...
Juntei
em um buquê todas as cores
Da
linda natureza vejo as galas,
Na
emoção da tarde aprendo a amá-las
E
o sol que resplandece apaga as dores...
Mas
vejo que algo falta neste encontro
Que
a alma não se despe toda, ainda,
Que
pouco se abandona do seu centro
Fazendo
da fusão a coisa linda:
Passado
que se esconde no seu antro,
Na
solidão da vida, que não finda!
Francisco
Settineri.
Senil
Figura
sempre forte na infância
O
espelho e a gravata em minha mente
O
medo que eu sentia à sua frente
Mas
bem maior que o medo a minha ânsia
De
ser também um dia um homem forte
De
carregar o mundo aos próprios ombros
E
ser mais duro do que todos cedros
Mas
sendo imune à dor e à própria morte!
Porém,
mundo girou e hoje és sombra
Daquilo
que pra mim se fez gigante
Saudade
desse som tonitruante
Que
tudo fez tremer por sobre a alfombra...
Te
encaro, espantado, e a dor me assalta
A
ouvir, vinda de ti, fala demente
Que
espalha da maneira mais freqüente
O
olhar sempre perdido e a voz que falta!
Francisco
Settineri.
A Rosa
Ela
torna o riso claro e a dor formosa
De
um espinho esperado em sua dureza
Despetala-se
no coração a rosa
Sem
perder, por um intante, sua pureza...
Assim
vai-se enrugando a flor mimosa
Mas
mantendo sempre sua inteireza
Desde
o tempo em que a olhava todo prosa
O
poeta que cantava a sua beleza!
Belo
ocaso, final mudo porém digno
De
quem teve homenagem vária e tanta
De
um olhar que sempre a amou, forte e benigno
E
que ainda soridente dança e canta
Mas
que lança aos céus de novo um terno signo
Que
na doce madrugada me acalanta!
Francisco
Settineri.
domingo, 16 de março de 2014
Madona
A
luz renova a treva sem recurso
E
eu busco na tua paz a natureza
De
um porto que me fez fruir beleza
Na
vida que sossega em seu curso.
Então
vem constelado um discurso
Com
versos em sua única inteireza
E
a flor que está a meu lado é só grandeza
E
há um brinquedo ao lado: é um urso!
Então
eu só me alinho, à espreita
De
ajeitar pra ti fina coberta
E
o sol dessa manhã demais respeita
Com
toque bem sutil, janela aberta;
E
é quando tu despertas e aleitas
O
fruto de um amor na hora certa.
Francisco
Settineri.
Crepúsculo
A
sarça firma o verde contra a encosta
E
a água conta histórias de antanho.
Fascinam-me
as de maior tamanho,
Gigantes
levam rochas sobre as costas!
Erguidas
de um só golpe todas hastas,
O
vento assobia um som estranho
Que
prenuncia, enfim, um grande lanho
Na
tarde que acabou e já diz – basta!
A
paz cai no silêncio que se entenda,
A
ave volta ao ninho sem descaso.
Não
há nesse remanso ar de contenda,
Murmúrios
nos duetos ao acaso;
E
o rio no burburinho de encomenda:
Eu
bebo na nascente o céu do ocaso!
Francisco
Settineri.
Morituro
O
coração agora se amotina
Mas
sabe que mais tarde fica mudo
Pois
passa, tudo passa, passa tudo
Não
há para esse mal uma morfina!
Com
o tempo ele acostuma e se refina
E
larga a ilusão de ser graúdo
Pois
sabe que eu também não mais me iludo
Nos
bens que me passaram na retina.
E
pouca gente há que não entenda
No
dia em que chegar a sua hora,
Saudade
de um amor não vai embora
Vislumbre
de um descanso numa fenda
Daquela
que com foice vem de fora,
Libertos
corpo e alma e a dor tremenda!
Francisco
Settineri.
sábado, 15 de março de 2014
Esguia
Arrisco
à dama o meu olhar furtivo
E
a moça nem em sonhos imagina
A
lava do vulcão que fugitivo
Crepita
ao pé do monte que ilumina.
Pois
que esse teu olhar deixou cativo,
Furtou
de senso a mente a flor menina.
Estou
privado assim de lenitivo
E
o brilho de tua face amar ensina.
À
noite o meu desejo se escancara,
E
custo a adormecer, sonhando a tua
Beleza
que acontece e a dor sara
Enquanto
as vestes caem e a nua
Moçoila
que me deixa em falta amara
Me
surge em sonhos feito arfante Lua!
Francisco
Settineri.
Gafanhoto
Controlado
por alguma força interna
De
um verde quase igual à tenra folha,
Desconjunta-se
o interior dessa caverna
Cada
perna vai ao ar, não tem escolha!
Devorado
pela fome que o domina,
Escandidos
pés em paz depois que pousa
Recortando
tudo o que ninguém ensina
Vêm
aos bandos, enfrentá-los ninguém ousa...
Uma
nuvem de terror que desarvora
Batalhões
sem chefe, contudo inclementes
Desolado
o campo quando vão embora
Eis
que um deus levou lavoura entre seus dentes!
Francisco
Settineri.
Carnival Glass
Não
sei bem se eu consigo ser tão falso
Neste
mundo tão repleto de estrelas,
Uma
plêiade de astros a contê-las
Tendo
o peito à beira deste cadafalso
E
retiram dos teus pés de um chute o calço.
Se
por derradeira vez, pudesses vê-las
Neste
mundo tão repleto de estrelas
Que
penduram a esperança, pés descalços.
Borbotões
de alegria na cidade,
Carnavais
de etanol, com muito esmero
Insolência
transformada em veleidade...
Prostitutas,
rufiões como tempero,
Tanto
afã de demonstrar felicidade
Escondida
atrás de muito desespero!
Francisco
Settineri.
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